O Meu Dia Das Mães
Hoje passei duas horas em meia sentada numa "Lojas Americanas", enquanto esperava as crianças se deliciarem sabe-se lá com que parte da imaginação, naquele lugar.
Depois de ali estar, os barulhos foram dando forma e significado a tudo.
Pensei que é este o retrato ideal de nosso tempo, ano 2013, século XXI. Músicas em diversos estilos reproduziam quase a mesma melodia, enquanto outros barulhos se acumulavam com as mesmas freqüências agudas e rasas e abafadas pela tecnologia.
É como se os sorrisos e se choro fossem um sinal saido de uma tela de TV de plasma; todos os chocolates e brinquedinhos com barulhinhos , onde todas as coisas que somadas são quase que só reproduções das revistas e das telas , cada uma com uma imagem que também não precisa ser ouvida, se misturando com a música e todos eram um pedaço do mesmo lugar.
Minha filha tocou “Pour Elise” num tecladinho de trinta centímetros, e era tão bonito ela saber tocar alguma coisa onde não se espera mais que bater em qualquer tecla. Beethoven sobressaia e a beleza do que ela sabia se perdia quando parecia, escondida que estava, não mais que o som programado numa caixinha de música chinesa.
Eu pensei em um tempo medieval em que melodias também se repetiam, pensei em um tempo em que Bach escreveu novas notas e harmonias e a harmonia dos barulhos era intensa e se misturava com as pessoas , as freqüências eram profundas e não havia um significado em dinheiro para quase tudo, ou tudo. Os barulhos não deviam sufocar uma batida do coração, havia a importância do trovão e do escuro, e não havia um mundo dentro de retângulos planos .
Eu olho uma loja dessas e imagino quanto se ganha para trabalhar com todos aqueles barulhos aos domingos, dia das mães, perto de todas aquelas coisas arrumadas em prateleiras.
As coisas e os barulhos já não foram assim tão arrumados e eu acho que haverá um tempo diferente, em que estaremos numa freqüência mais rica de graves e agudos e choros e risos e talvez um nome e uma melodia sejam sinal de uma enorme singularidade e desarrumação.
Eu passei assim essas horas do meu dia das mães, sentada, olhando, dormindo com a cabeça debruçada sobre a mesa , enquanto as crianças brincavam de polícia e bandido e de esconder e dançavam funk e furavam as bolas, até que avisei que as câmeras as estavam filmando, porque é assim que a gente vive: nunca se sabe o quanto nos misturamos e temos que nos adequar às peças arrumadas de uma barulhenta, multicolorida e moderna loja hoje em dia.
Elaine Guedes